Polícia abre inquérito para apurar possíveis crimes de desobediência da 99 por oferecer serviço de moto por app em SP

Prefeito entrou com queixa criminal contra a 99 na quarta-feira (22); empresa alega que gestão municipal ignora entendimento do STF. 99 terá serviço com viag...

Polícia abre inquérito para apurar possíveis crimes de desobediência da 99 por oferecer serviço de moto por app em SP
Polícia abre inquérito para apurar possíveis crimes de desobediência da 99 por oferecer serviço de moto por app em SP (Foto: Reprodução)

Prefeito entrou com queixa criminal contra a 99 na quarta-feira (22); empresa alega que gestão municipal ignora entendimento do STF. 99 terá serviço com viagens de moto no Brasil G1 A 2ª Delegacia da Divisão de Crimes contra a Administração, vinculada ao Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), instaurou um inquérito policial para apurar possíveis crimes de desobediência pela empresa 99 por oferecer serviço de moto por aplicativo na capital paulista. A instauração do inquérito foi feita com base na notícia-crime apresentada pela Prefeitura de São Paulo na quarta-feira (22) (entenda mais abaixo). Segundo nota do DPPC, os representantes da empresa e as demais partes envolvidas serão ouvidos em breve. Ações da Prefeitura de SP contra 99 e Uber “Estou indignado de ver uma empresa só visando o lucro, desconsiderando o risco à vida das pessoas”, diz Nunes sobre a Uber Assim que a Prefeitura de São Paulo soube que a 99 havia iniciado o serviço de transporte por moto via aplicativo, começou a se movimentar para impedir a atividade na cidade. Isso incluiu notificações, embates na Justiça e até blitze para apreender motos de motociclistas cadastrados na plataforma. Além disso, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) também apresentou uma notícia-crime contra a 99 e vai pedir que as medidas tomadas contra a 99 sejam estendidas à Uber, que começou a oferecer o serviço na capital na quarta-feira (22). Confira a situação da briga judicial entre o município e as empresas de tecnologia: Início do serviço e 1ª notificação A Prefeitura de São Paulo, por meio do Comitê Municipal de Uso do Viário (CMUV), publicou uma notificação contra a atuação da 99, que passou a oferecer o serviço de moto por aplicativo em 14 de janeiro. O documento citava um decreto municipal de 2023 que suspendeu temporariamente o transporte de moto por aplicativos, ano em que a Uber também tentou oferecer a modalidade. No entanto, a notificação por si só não tinha força jurídica. A empresa, então, continuou atuando com as motos na capital. Mandado de segurança Diante da notificação da prefeitura, a 99 entrou com um mandado de segurança na Justiça de SP pedindo que a determinação de Nunes para suspender o serviço fosse declarada nula. A empresa argumenta que o CMUV contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao tema, o que seria uma ato de coação por parte da prefeitura. A 8ª Vara da Fazenda Pública, então, negou o pedido liminar da 99 para anular o decreto de proibição da prefeitura. Mesmo assim, a empresa continuou com o serviço — ela diz que a 99Moto é um serviço de transporte privado por aplicativo em motocicleta autorizado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), Lei nº 12.587, de 2012. No entanto, o texto da lei cita apenas motoristas habilitados na categoria B, ou seja, a de carro. A lei não fala em moto. Para o advogado Marcelo Marques da Costa, coordenador da comissão de Direito de Trânsito da OAB- SP, a legislação é clara quanto à não possibilidade do uso da moto: "Para mim, é rol taxativo, não exemplificativo. Pode até ser usado judicialmente por analogia. Da mesma forma que fala categoria B, a todo momento se refere como motorista , não como motociclista ou mototaxista, também confere ao município a competência de regulamentar e fiscalizar", disse o especialista. O processo segue ativo e deverá passar por todas as fases até que haja uma sentença. A primeira decisão da 8ª Vara foi relacionada apenas ao pedido de urgência. 2ª notificação No dia 15 de janeiro, em uma nova notificação do CMUV, a prefeitura deu 24 horas para que a 99 interrompesse a atividade, o que não aconteceu, já que o documento não tinha força jurídica. Blitze para apreender motos No mesmo dia, a Prefeitura de São Paulo informou que, durante blitze, apreendeu três motocicletas que faziam transporte de passageiros via aplicativo da 99. Para justificar a medida, a prefeitura se baseou na lei 15.676/2012, que proíbe "o transporte remunerado individual de passageiros sem que o veículo esteja autorizado para esse fim". Para o professor de direito administrativo André Rosilho, da FGV, não cabe à prefeitura autorizar ou não a atividade, mas fiscalizar o serviço. "Ela já está autorizada pela legislação federal, é uma atividade econômica livre. Ela tem uma redação um pouco aberta, mas a única maneira de interpretá-la de acordo com a Constituição é a de que o poder municipal deve fiscalizar a atividade — se o motociclista está usando capacete, andando na via de modo correto, se anda na contramão", apontou. Justiça negou suspensão do serviço Apesar de a prefeitura dizer que a Justiça havia proibido a atividade da 99 Moto, a Justiça negou a suspensão imediata do serviço até o julgamento do mérito. O juiz da da 8ª Vara da Fazenda Pública afirmou que "nunca houve qualquer ordem judicial de proibição ou suspensão do serviço, porque o pedido posto em julgamento não é este". A afirmação foi dada no âmbito do processo do mandado de segurança impetrado pela 99. Multa de R$ 1 milhão por dia à 99 No dia 17 de janeiro, a prefeitura ingressou com uma ação civil pública na mesma vara em que pedia multa diária de R$ 1 milhão por "danos morais coletivos e crimes de desobediência contra a 99 Tecnologia". "A empresa vem descumprindo nos últimos dias um decreto da Prefeitura que, desde janeiro de 2023, não autoriza o transporte remunerado de passageiros por motocicletas com uso de aplicativos", diz trecho da ação. Apesar disso, o serviço 99 Moto continuou funcionando normalmente, e o número de apreensões de motos subiu para 18. No dia 20, já eram mais de 30 apreensões motivadas por blitze contra a atuação da 99. Na terça-feira (21), a Justiça negou o pedido da multa. A 8ª Vara da Fazenda Pública deliberou que a 99 não pode ser multada com base no decreto. O magistrado pontuou que diversas capitais do país contam com o serviço de transporte privado de passageiros por motos, acionado por aplicativo, que o tema 967 do STF confirmou que é inconstitucional proibir ou restringir o transporte privado feito por motoristas de aplicativos e que leis de outros municípios e estados que, de modo semelhante, pretendiam impedir o uso de motos para o transporte privado individual já foram julgadas inconstitucionais pela Justiça. Justiça diz que prefeitura pode fiscalizar Na última segunda (20), no âmbito da ação que analisa o mandado de segurança impetrado pela 99, o Tribunal de Justiça decidiu que a prefeitura pode continuar fiscalizando o serviço de moto por aplicativo da empresa. O relator Eduardo Gouvêa considerou que as fiscalizações podem seguir, pois "a Constituição Federal concede aos municípios competência para legislar sobre assuntos locais". A decisão, no entanto, não se estende à oferta do serviço. Diz respeito apenas à fiscalização dos motociclistas por parte da prefeitura. No dia 21 de janeiro, já eram 185 motocicletas apreendidas. Contudo, a empresa ressalta que segue valendo a decisão de primeira instância, que, conforme esclarecido pelo próprio juiz, não suspendeu a funcionalidade 99 Moto. Uber entra na briga Na manhã da quarta-feira (22), a Uber entrou na briga e lançou seu serviço de moto por aplicativo na cidade. Em comunicado, a empresa afirmou que, a exemplo da 99, o Uber Moto também estará presente apenas fora do centro expandido da capital paulista. Na avaliação da empresa, isso “permitirá uma análise cuidadosa da sua demanda e utilização, ao passo que atende também quem mais precisa de alternativas acessíveis de mobilidade na capital”. Processo criminal contra os apps Na quarta (22), como Nunes antecipou em uma entrevista coletiva, a prefeitura apresentou uma queixa-crime contra a 99 por descumprir o decreto que proíbe o serviço na capital e também vai pedir que todas as medidas tomadas contra a 99 sejam estendidas à Uber. “Vamos entrar hoje com uma ação junto à Polícia Civil comunicando o descumprimento da legislação e fazendo uma queixa-crime, um comunicado de descumprimento. Isso vai ensejar um inquérito policial, porque a gente tem apresentado dado, tem conversado e falado que essa atividade vai aumentar o número de óbitos. Mesmo assim, eles insistem em fazer essa atividade”, declarou. Ricardo Nunes também afirmou que notificou a 99 e vai notificar a Uber informando que, caso não desistam de oferecer o serviço e descumpram o decreto municipal que proíbe esse tipo de transporte, passarão a ter a cobrança de multa de R$ 50 mil por dia. O que diz a legislação federal O serviço de transporte oferecido por aplicativos no Brasil é regulamentado por duas leis federais. A primeira é a lei nº 12.009 de 2009, que regula o serviço de mototáxi e motofrete (transporte de cargas) e define os requisitos para o exercício da profissão, como o uso de capacete e colete identificador. A lei também estipula a obrigatoriedade de cadastro nos órgãos municipais de trânsito. A segunda legislação é o Plano Nacional de Mobilidade Urbana, instituído pela lei n° 12.587 de 2012. Ela foi modificada em 2018 (pela lei 13.640) para incluir um trecho que regulamenta especificamente os serviços de aplicativos de transporte. A lei, aprovada no governo Michel Temer, ficou popularmente conhecida como "Lei do Uber". O que diz a legislação municipal A Prefeitura de São Paulo editou um decreto municipal em janeiro de 2023 que suspende na cidade o serviço de transporte de moto por aplicativo. Com um texto bem sucinto, o decreto nº 62.144, de 6 de janeiro de 2023, suspendeu "temporariamente a utilização de motocicletas para a prestação do serviço de transporte individual remunerado de passageiros por meio de aplicativos". O texto não informa o prazo da suspensão, tampouco lista possíveis punições em caso de descumprimento nem menciona nada sobre a apreensão de motos. O que dizem especialistas Especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que, embora haja uma legislação federal, ela estabelece apenas normais gerais para o setor, e a regulamentação deve ser competência do município. Segundo o advogado Marcelo Marques, coordenador da Comissão de Direito de Trânsito da OAB-SP, a regulamentação detalhada e a fiscalização do serviço de mototáxi ficam sob a responsabilidade dos municípios, que podem definir aspectos específicos da atividade dentro do seu território. O serviço precisa, sim, ser regularizado pelo município. A lei 12.009 deixa essa incumbência para o município até respeitando a peculiaridade de cada um. O serviço [de transporte de passageiro por motos] não é ilegal desde que não tenha nenhuma regulamentação, nenhuma lei que o proíba. Aqui em São Paulo, temos uma lei que proíbe o serviço de mototáxi. Na avaliação do especialista, a prefeitura tem razão em querer barrar o serviço neste momento. "Querendo ou não, a responsabilidade pela segurança viária e pelos passageiros e condutores é do município." Ele explica que há um limbo jurídico porque o Código de Trânsito Brasileiro disciplina apenas o motofrete e não o mototáxi. "O artigo 139 do Código de Trânsito Brasileiro menciona somente motofrete. Mas a Lei 12.009 faz uma confusão: ela coloca os dois em pé de igualdade, tanto o motofrete quanto o mototáxi, porque o mototáxi, presume-se, segue mais ou menos a regra do táxi, que já é a competência municipal", completou o advogado. Para o professor de direito administrativo André Rosilho, da FGV, não cabe à prefeitura autorizar ou não a atividade, mas fiscalizar o serviço. "Ela já está autorizada pela legislação federal, é uma atividade econômica livre. Ela tem uma redação um pouco aberta, mas a única maneira de interpretá-la de acordo com a Constituição é a de que o poder municipal deve fiscalizar a atividade — se o motociclista está usando capacete, andando na via de modo correto, se anda na contramão", apontou. O advogado Caio Fink, sócio da área de Contratos do Machado Associados, diz que a jurisprudência também desempenha um papel relevante nesta questão. "Embora trate especificamente de carros, o Tema 967 do STF reforça que restrições a serviços de transporte por aplicativos contrariam o princípio da livre iniciativa, servindo como referência para a discussão." "O desafio, portanto, está em compatibilizar a proteção à segurança com a promoção de serviços que ampliem o acesso à mobilidade, respeitando tanto os interesses dos usuários quanto os direitos econômicos de empresas e trabalhadores. O desfecho dessa questão exigirá uma análise cuidadosa para equilibrar esses valores no contexto urbano", ponderou Fink. Em entrevista à TV Globo, o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e engenheiro civil, Luiz Carlos Mantovani Nespoli, reforça que a competência por disciplinar o serviço de transporte remunerado é municipal. A competência por introduzir numa cidade brasileira o serviço por mototáxi é do prefeito, que vai determinar através da legislação municipal a forma como isso vai ser feito. Se ele fizer isso, terá que seguir as normas de trânsito a respeito do condutor e a respeito da motocicleta. Já a 99 argumenta que a legislação estabelece que as prefeituras podem regulamentar e fiscalizar a atividade com exigências específicas, mas não podem proibi-la. Segurança Na avaliação do superintendente da ANTP, o serviço de transporte de passageiros por moto deve ser proibido em São Paulo em razão da segurança, pois a moto é um dos meios de transporte mais inseguros "do ponto de vista de sua vulnerabilidade". Ele argumenta que a moto "depende essencialmente de um equilíbrio dinâmico" entre o piloto e o carona. Quando você introduz um carona, você acrescenta um novo risco, porque o carona faz parte do processo dinâmico da circulação da bicicleta. [...] Quando você libera isso para cidadão que nunca andou de moto, que não conhece a posição de um carona, você está introduzindo um risco do ponto de vista da segurança", afirma Nespoli. O Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Moto-Taxistas do Estado de São Paulo (SindmotoSP) publicou, em 14 de janeiro, uma nota declarando ser contrário à oferta do serviço na capital. "A insistência da 99 com esse serviço de transportes de passageiros com moto só aumentará o número de vítimas, além de, no caso dos acidentes, deixar os motociclistas e passageiros na mão, tendo que arcar com os custos e muitas vezes, com a própria vida". A empresa contesta esse argumentos e afirma que os motociclistas receberão treinamento para oferecer o serviço.